terça-feira, 28 de julho de 2009

O Fado Batido, Cantado e Dançado

O Fado Batido, Cantado e Dançado

Hugo Miguel Ferreira de Oliveira Leitão, Linhaceira, Tomar, 16 Abril 2005

I. QUANDO SE DEIXOU DE CONSIDERAR O FADO UMA DANÇA ?
II. O FADO É UMA CANÇÃO FOLCLÓRICA
III. DANÇA E MÚSICA NO PRIMEIRO FADO LISBOETA
IV. O FADO, NASCE COMO DANÇA OU COMO CANTO?
V. O FADO BATIDO
VI. O FADO CANTADO E DANÇADO
VII. LINHACEIRA (TOMAR) – REGISTOS DO FADO


QUANDO SE DEIXOU DE CONSIDERAR O FADO UMA DANÇA ?
[1]
1932. Fado, Destino; canção popular, dolente e alusiva aos trabalhos da vida, música ou dança da mesma canção.

]
1997. Fado, 1. Destino, sorte, fortuna 2.Canção urbana portuguesa cultivada em Coimbra e sobretudo em Lisboa.



Consultando as duas referências, reparamos que para o senso comum, o fado deixou de ser considerado uma dança pelo menos a partir dos meados do Sc XX.

II



O FADO É UMA CANÇÃO FOLCLÓRICA [3]

Longe vai o tempo em que, destituídos de qualquer espírito poético, aparentes eruditos procuravam, entre nós, provar, por isto e por aquilo, que o «Fado» era uma canção importada, a qual, de modo algum podia encontrar eco na alma do povo, enquanto que outros afirmavam, precisamente, o contrário.

Rodney Gallop, ao chegar a Portugal, viu-se tão rodeado de adeptos e inimigos da chamada «canção nacional» e tantas e várias foram as opiniões emitidas à sua volta que, a tempo, resolveu dispensar guias e descobrir sozinho a verdade.

Lenta e devotadamente, percorreu o nosso país. Andou por campos e serras, romarias e procissões, apanhas de sargaço, mondas e vindimas, até que, ao cabo de inúmeras jornadas, regressou, já documentado, a Lisboa, encontrando ali ecos de cantares das Beiras e do Alentejo, da Maia e das Terras da Feira, o que o levou, mais tarde, a escrever a frase axiomática[4] seguinte : “ O Fado é uma canção folclórica”.

Na dança popular, manifesta-se o culto do Fado. Se não vejamos: dança-se o Fado em Dem, na serra de Agra (concelho de Caminha). Dança-se o Fado em Santa Maria da Reguenga (concelho de Santo Tirso) (alongada descrição de outros locais) (...) Dança-se o Fado na Guarda e no Fundão. E dança-se o Fado (chamam-lhe ali «fadinho»!) em Pombal e todo o RibatejoE

Melodias, versos, danças, quer dizer: música, poética e coreografia, autorizam-nos, portanto, a afirmar que, em Portugal, debaixo do ponto de vista artístico «ser-se ou não fadista» corresponde, até certo ponto, a «ser-se ou não Português».

III



DANÇA E MÚSICA NO PRIMEIRO FADO LISBOETA[5]

Um aspecto que todas as fontes originais sublinham repetidamente, no que respeita a este Fado das décadas de meados do século, é o da associação indissolúvel entre o canto e a dança.

Por mais que se refira o carácter lamentatório - ou mesmo choroso - da melodia, a presença de uma pulsação rítmica bem marcada por batimentos dos calcanhares no chão e por movimentos ondulantes dos quadris é uma característica fundamental que quer as descrições relativas ainda ao Brasil quer os primeiros relatos portugueses nunca deixam de mencionar.

Já vimos como Camilo nos fala dos “rijos fados batidos”, do “sapatear o fado” e do “rebater trémulo de calcanhares no sobrado”; as quadras atribuídas à Severa referem que a Chicória do Sarmento “bate o fado tão bem” e consideram como “supremo gozo “bater o fado liró”; o próprio Fado do Vimioso, ao gabar a “voz enternecida” da fadista, acrescenta logo, por entre os elogios que lhe dirige, o facto de esta” dançar o fado com rigor desconhecido”, sempre ” batendo forte”.

([6])

Este aspecto, que é um dos elos mais evidentes à tradição afro-brasileira anterior, não pode pois, ser ignorado, se bem que as descrições relativas ao último terço do século XIX tendam já a evidenciar o progressivo abandono da componente coreográfica em favor de uma execução meramente musical, seja esta apenas instrumental ou envolvendo voz e instrumentos.
No entanto, parece haver diferenças consideráveis entre vários tipos de movimentação associados ao Fado. Pinto de Carvalho, escrevendo já na viragem para o século XX, regista, a este respeito, uma observação que além de ser tardia se limita a pouco mais do que um comentário de passagem, e que, apesar de ter sido por diversas vezes citada por outros autores, continua a levantar problemas evidentes de interpretação.

“O fado tem duas espécies de dança: “bater o fado” e a dança do fado propriamente dita”.

Bater o fado é uma dança ou meneio particular em que entram duas pessoas ou três: uma que apara (ou duas, às vezes) e que deve estar quieta e o mais firme possível, e a outra que bate, dando regularmente as pancadas com a parte inferior das coxas nas coxas das pernas do que apara, e meneando-se com requebros obscenos”. O autor prossegue com a enumeração dos nomes de diversos “batedores de Fado” célebres, entre os quais cita o próprio Conde de Vimioso, e de diversas fadistas que “aparam” com particular garbo essas “batidas”, referindo depois separadamente alguns exemplos de “bailarinos de Fado” famosos.

José Ramos Tinhorão parte desta descrição para propor uma identificação deste movimento de “bater o Fado” com aquele que se pode encontrar igualmente em algumas danças tradicionais afro-brasileiras em que se utiliza a chamada “pernada”, um golpe de coxa dado por um dançarino que “bate” na coxa de outro que “apara”, procurando desiquilibrá-Io.

Se o dançarino que “apara” a pernada não perdeu o equilíbrio é ele quem vai em seguida “bater” num outro; se, pelo contrário, se desequilibrou, o “batedor” pode escolher novo parceiro que tentará também fazer cair. A pernada é dada, em qualquer caso, de surpresa, por entre um jogo de quadris sensual, correspondente aos “requebros obscenos” de que fala Pinto de Carvalho, e qualquer dos intervenientes pode, em simultâneo, estar a cantar a melodia do fado, improvisando mesmo, por vezes, o respectivo suporte poético. ([7])

Na mesma linha de evidência se inclui uma caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro intitulada “O Fado da Política”, surgida no António Maria de 5 de Abril de 1883, em que se mostra um ambiente de taberna onde vários políticos destacados (entre eles Fontes Pereira de MeIo, Mariano de Carvalho ou Anselmo José Brancaampp) aparecem em posição de dança, de guitarra na mão, com os braços no ar e os joelhos flectidos, procurando fazer cair com uma pernada de coxa contra coxa a figura do Zé Povinho, tudo isto com a legenda:

Toda a gente bate o fado
Todos fazem “escovinhas”
Mas é sempre o Zé, coitado
Quem apanha as “pancadinhas”.

Pinto de Carvalho não descreve em detalhe aquilo que designa como” dança do fado, propriamente dita”, sendo de admitir que esta corresponda de forma mais directa às coreografias descritas pelos observadores alemães ou por Manuel António de Almeida relativamente ao Brasil nas primeiras décadas do século.

De qualquer modo, o que parece implícito no texto, até pelo simples facto da natureza meramente passageira da descrição e do carácter remoto dos exemplos mencionados de “batedores” e “bailariios” de Fado, é que no momento em que este autor (Pinto de Carvalho) está a escrever já ambas as formas de movimento caíram em desuso crescente. [8]

Do Fado coreografado de meados do século XX - tanto “batido” como “dançado” - terão assim ficado gradualmente apenas os apontamentos de movimento ainda incorporados na atitude corporal dos cantores. A postura hirta, semelhante à do parceiro que “apara”, o gingar dos ombros ou dos quadris, reminescente dos traços coreográficos anteriores, ou a possibilidade de dar alguns passos, avançando ou recuando, numa tradição que chegará ainda, bem vistas as coisas, a Alfredo Marceneiro.

No que respeita à Música, o facto de dispormos de múltiplas colecções impressas de fados oitocentistas em notação musical, assentes em recolhas que em alguns casos remontam já, expressamente, ao início da década de 1850, permite-nos formular alguma ideia do recorte formal mais corrente no género em meados do século.

E a este respeito vale a pena começar por sublinhar que nenhuma fonte – quer descritiva quer em notação - deixa adivinhar qualquer diferença musical entre fados exclusivamente cantados e fados dançados. [9]


Numa entrevista a um Diário Nacional e falando sobre a sua recente obra e as origens do Fado, Rui Vieira Nery é, a dado momento indagado sobre o porquê da transformação entre e relação sensual das danças afro-brasileiras e o fado actual hierático[10] e puramente espiritual.

Responde:
“Foi acontecendo ao longo do sc. XIX. Mesmo em relação às danças afro-brasileiras cantadas, como o lundum e o fado, as descrições muitas vezes referem-nas como tristes ou como um “choradinho”.

E não era uma dança rápida, era dengosa, sensual e com uma componente sentimental forte. O que vai tendendo a acontecer é que, no contexto das tabernas de Lisboa das décadas de 1840 e 1850, onde de facto o fado é desenvolvido, surge uma divisão do fado em duas práticas complementares.

Uma está relacionada com um ritmo mais marcado e com a possibilidade de fazer um acompanhamento físico mais nítido – o chamado “bater o fado” – e uma outra que é assumidamente cantada, baseada na improvisação poética e que fala das realidades sociais desse contexto.

IV



O FADO, NASCE COMO DANÇA OU COMO CANTO?[11]

Não cabe aqui analisar as origens do fado, matéria complexa que tem gerado as mais diversas opiniões, mas tão só assinalar a sua vertente coreográfica,...por ter sido a quarta moda dançada que mais registámos em terras da Estremadura.

Sem avançarmos na fundamentação pormenorizada, que não teria aqui cabimento, temos para nós que o fado nasceu como canto e só mais tarde veio a ser dançado, graças à natural tendência do povo para tudo bailar, para aplicar á dança qualquer melodia que lhe caia no agrado.(...)

Encontrámos como sendo utilizado para a bailação, o fado em versão instrumental ou cantado à desgarrada.
[12]

V



O FADO BATIDO[13]

O Fado Batido difundiu-se entre nós, após o regresso da corte de D. João VI, em 1822 e, entre 1830 e 1840 já estava generalizado por todo o País como dança e como canção.

Ter-se-ia implantado e popularizado mais a Norte do Ribatejo, através das gentes Beirãs, dado que foi nessas zonas que mais se dessiminou o trabalhador do campo vindo do Norte da Província e das Beiras. Como é do domínio comum ..., os Fadinhos do Ribatejo têm grande implantação popular, como se poderá concluir pelo facto de grande número de ranchos da região os incluírem nos seus repertórios. (...)

Poderemos concluir que o Fado (Fadinho do Ribatejo) teria aparecido nos finais de 1700 e princípios de 1900, embora já pudesse existir com funções de dança e canto com outro nome, a exemplo de Chula.

Os três tipos de Fadinhos do Ribatejo têm características locais a saber:
1. O que perdeu a letra mas manteve a sua função como dança entre as comunidades.
2. O que é dançado e cantado em todo o discurso musical nas duas secções, que é mais vulgar e se confunde por vezes com outras danças populares.
3. O que contém a parte estrófica lenta e outra instrumental viva, a que melhor identifica o fadinho do Ribatejo.[14]

Poderemos acrescentar, nesta linha que embora não se aplique na totalidade descritiva, localizamos, embora os fados do Alto Ribatejo nos pontos de conclusão anteriores 1. e 2.[15]

VI



O FADO CANTADO E DANÇADO[16]

O fado dançado e cantado de várias maneiras é uma das referências do folclore, em muitas zonas de Portugal, no entanto o que sabemos sobre esta maravilhosa dança e canto é muito pouco especialmente quanto á sua origem. (...)

Do que temos lido, muitos (escritores) dizem ser a canção de Lisboa e outros a canção Nacional, não têm chegado a grandes conclusões (contudo) ... dizem-nos que o fado dançado tem várias origens, o que nos leva a pensar que os historiadores (...)ainda terão muito que procurar para chegarem a uma conclusão, se de facto é Africana, Brasileira ou Portuguesa ou uma aculturação da mistura desta três origens, tão diferentes que são umas das outras. (...)

Depois de conhecer um pouco do folclore do concelho de Tomar, interrogo-me com a seguinte pergunta: Não estará aqui a primeira versão do FADO DE TABERNA, recolhida há alguns anos na freguesia de Pedreira?

Pensamos que os estudiosos do folclore do concelho de Tomar, poderão a partir daqui estudar mais profundamente esta dança.

VII



LINHACEIRA (TOMAR) – OS REGISTOS DO FADO

De tudo o que foi registado desde Maio de 2002 até hoje, pelo Rancho Folclórico de Linhaceira e sobre este aspecto particular do fado, poderemos tão só relatar aquilo que relativo a este tema nos foi contado e que sobejas razões merece o registo e a sua divulgação.



O fado sempre foi uma “moda” popular em Linhaceira, nas suas vertentes tocada, cantada, batida e dançada. Contudo sempre em diferentes circunstâncias, a saber:

“Bater o fado”

O termo (FADO DE TABERNA) que se tornou um pouco usual no Concelho de Tomar para chamar este tipo de fado, não é de todo comum na aldeia de Linhaceira para descrever este “estilo”, antes sim, “bater o fado” ou “isso era para os homens” (nas tabernas ou não).

Regra geral era batido na taberna sendo que por exemplo, a Dª Maria Virgínia Brás, nos conta como os tocadores se punham em cima do “caixão” (uma arca grande ) para tocar e fugir á confusão e resto era...”um disparate”!

O Ti Manuel Diamantino, explica que era “no rescaldo das taberna é que havia brincadeira” ou então na casa do baile, se batia o fado, mas desde que já não houvesse mulher nenhuma na sala ”é que se faziam brincadêras”. O que evidencia o estilo arrojado da linguagem utilizada e “as figuras” que a que se iriam sujeitar os homens, enquanto batessem o fado.

De resto este, a par do Fandango, era muito popular nas tabernas do cruzamento das quatro estradas em Linhaceira – a Cascalheira – assim como nas tabernas e ajuntamentos da Feira do Ano em Santa Cita.

Como nos diz o Ti Zé Camilo (um dos poucos tocadores de harmónio desta altura, ainda vivo), “havia deles que parece que tinham molas nas pernas” e diz mais “...haviam fados de cantar e fados de bater...nos de bater, os homens faziam uma roda e um deles vai pró meio, quem está de fora está á espera da pancada...o que tiver ca boca aberta é o que leva e o que tiver cas pernas abertas aleija-se nas partes!”.

A mulher nunca “bateu o fado” em Linhaceira, mais depressa se vingava do marido por se perder a altas horas nesta brincadeira. Como se ouviu: ”...as mulheres nunca cantaram o fado e ralhavam cos homens por causa da bubadeira que rasgavam as calças e elas é que serziam.”

O fado era batido, ao som de uma viola (“violão”) tocadores como o Mário Alves da Portela e o Carlos Salvador, de um bandolim, o António Carvalho, uma “flaita” em junco, de gaita-de-beiços, de um harmónio ou de uma concertina, assim foram oAugusto Lopes, o Inverno da Roda ou o Zé Pêxe etc.
Do que nos foi relatado e do que ainda hoje se pode ver em Linhaceira,(por indivíduos que não estão ligados ao folclore) existem dois modos de bater o fado, em que para ambos são comuns estas disposições:

ý Bate-se e canta-se o fado ao toque de um harmónio, acompanhado pelo violão.

ý Forma-se sempre uma roda com os homens que se dispõem a bater o fado e que não estão numa postura rígida, se querem dançar dançam se não estão parados á espera.

ý O parceiro “que recebe”:

1. Flecte os joelhos ligeiramente,
2. Coloca os calcanhares quase juntos,
3. Os braços, levanta-os, fazendo o equilíbrio no momento em que recebe a batida.

ý O parceiro “que bate”

1. Fica no meio e vai andado de modo irregular ao som do fado.
2. Faz “meneios” e “ameaços” vários aos que estão de fora.
3. Bate como sabe, mas sempre certo !
4. Saber bater o fado, é um segredo que muito poucos conhecem, e há deles cá, que batendo o fado há muitos anos ainda não conseguem acertar.
5. Há que bater no “ponto” ( conceito que não se traduz pela palavra mas antes pelo modo como cada qual sente a música).
6. Pode-se bater e “insistir” em quem quiser e as vezes que entender (mas sempre no final “da frase musical”) sendo que a seguir a esta é que recua.
7. Por fim, depois de ter batido em todos os que estão na roda ou, desistindo simplesmente de o fazer, abraça-se ao parceiro e roda junto com este deixando-o no meio da roda.

De seguida há duas variantes, que na maior da vezes são jogadas em separado e noutras ao mesmo tempo, para quem as domina, confundindo ainda mais quem recebe, e consistem em bater usando as seguintes partes do nosso corpo:

De barriga (rec. Sr António Pereira, Sr Artur Gameiro, Ti Manuel Diamantino)

ý Como nos disseram:”...era barriga com barriga, mas sem ofender!”
ý ”...a bater sem bater...um fingir que bate”.
ý Temos para nós que este é talvez o modo mais “leve” mas o mais traiçoeiro.
ý A pancada é dada de modo seco, de barriga contra barriga (há quem avance o peito o que é errado) e insiste (sempre dentro do “ponto”) as vezes que entender até desequilibrar o parceiro.
ý Este modo permite dentro da mesma “investida” bater em dois ou mais parceiros de seguida, usando um “passo pulado”.

Com os joelhos (rec. Ti Zé Camilo e António Inverno)

ý O modo mais agressivo.
ý O que bate usa a face “de dentro” da coxa para atacar a face de fora da coxa do parceiro.
ý Neste gesto bate o pé contrário no chão, marcando bem o movimento, quase que assustando ou desviando a atenção do parceiro sobre o lado de onde vem a pancada.
ý Há quem use o joelho, por não saber, acabando como é natural por se aleijar ou aleijar alguém.
Ambas a formas têm como fim último, desequilibrar ou jogar ao chão o que recebe.

3. O fado cantado ao desafio ou em quadras soltas

Como se ouviu: “...as quadras do fado era tudo asneiras e eram cantadas por homens pegando no ponto...”Quando no meio dos homens este é cantado ao som de qualquer dos instrumentos referidos acima e não era para todos, dado que é preciso muita imaginação e prática para “pegar na deixa”, isto é começar com a mesma frase ou noutros casos na mesma palavra que “deixou” o cantador anterior.

Versavam principalmente sobre os defeitos pessoais de um e de outro, e se tivéssemos que apresentar excertos deste cancioneiro específico, notaríamos como é peculiar, aqui e nesta região, a comparação das qualidades/defeitos dos homens com as dos animais.

O fado cantado em quadras soltas era comum tanto na taberna como nos bailes das Casas de Fora (a maior divisão das casa de então) ,ou na parte de fora quando já não se cabia nesta, em barracões da terra como o Flecheiro, nas eiras (do Sapateiro) e por fim nos quartéis do Rancho nas Quintas ao redor para onde iam trabalhar de segunda a sábado.

4. O fado Bailhado

Graças à natural tendência do povo para tudo bailar, e para aplicar á dança qualquer melodia que lhe caia no agrado, como atrás nos disse José Alberto Sardinha, entre todas as modas do repertório do tocador do baile pois também se bailava o fado quando este era tocado. Quanto á dança, bem, como nos dizem a maior parte das vezes, “era como ás outras, era agarrados !”

Do cancioneiro recolhido em Linhaceira ficam-nos na memória quadras “brejeiras” que estão sempre disfarçadas de cenas da vida do dia a dia. Aqui ficam umas.

Ó menina guarde o melro
Que vai á minha horta
A depenicar-me os tomates
Á procura da minhoca

Todo o homem que casar
Deve ter o pau ao canto
P´ra benzêr a mulher
Quando lhe der o Cobranto

Sempre fui mui atilado
Nunca fui interessêro
Da menina quero-la toda
Do sê pai quero o dinheiro

Não te lembras ó menina
Daquela noite no V´rão
Tu a contares ´strelas
Eu as pedras do chão


É assim e muito mais...

Uma nota para dar-mos conta do que dizia a mulher sobre isto: “...o fado? Era o da taberna, que os homens batiam nas tabernas com umas concertinas sem jeito nenhum e depois ás tantas vinha o tocador, (não interessa agora) pos Fangueiros acima sempre tocado pela mesma, ai agora sempre a tocar a mesma! ...nós também cantávamos, mas era nas mondas.”

Tentámos dentro do possível, descrever aquilo que também a nós nos contaram. Somos da opinião que todos os que puderem não deviam perder a opurtunidade de “bater o fado”, pois é na verdade um “jogo” divertido, salutar e enérgico, além de que perpetua uma tradição que muitos julgam perdida.


TERMOS

No sete pontos anteriores escutámos algumas referências ao tema que aqui nos trás e que tratando-se de um assunto acerca do qual se têm tão poucas certezas, podemos reunir algum consenso nas seguintes considerações, que não são de todo lapidares:

Primeiro. É incerta a origem do Fado, quanto á sua estirpe ou localização, nomeadamente com aquilo que hoje se nos apresenta como género Fado a nível Nacional;

Segundo. Desconhece-se (fora do círculo etno-folclórico) o fado dançado e/ou fado batido, sendo que este foi considerado como um género de dança e consequentemente um sub - género do fado, pelo menos até ás primeiras décadas do Sc XX.

Terceiro. O Fado teve duas épocas. Uma inicial (1800-1890) de “mistura” entre os costumes Afro-Brasileiros e a sua aculturação pelo povo Português, de que resultou uma expressão musical viva, alegre e corporal (“ a pernada Brasileira” e o “fater o fado”, o bater o fado), e a época presente (1900-2005), resultante em primeiro lugar do nosso modo de expressar a Saudade e o lamento, depois pelo cunho do movimento romântico do início do Sc. XX mais tarde pela posterior “formatação psicossocial” do antigo regime, de que resultou um Fado essencialmente cantado (Fado Cantado), que nos nossos dias, deixou as letras “simples” do povo e dos tais “trabalhos da vida” e se tenta enobrecer (com o maior respeito esta é uma visão díscutível) com o espólio riquíssimo, mas não tão popular da Poesia Portuguesa.

Quarto. O Fado dos finais de 1800 e princípios de 1900 de meados do século, é o da associação indissolúvel entre o canto e a dança que quase se perdeu, não fora continuar a ser “batido” nas tabernas das aldeias e dançado nos bailes das gentes do campo.

Quinto. O fado tem duas espécies de dança: “bater o fado” e a dança do fado propriamente dita. Do Fado “coreografado” de meados do século - tanto “batido” como “dançado” - terão ficado gradualmente os apontamentos de movimento ainda incorporados na atitude corporal dos cantores. No contexto das tabernas de Lisboa das décadas de 1840 e 1850, onde de facto o fado é desenvolvido, surge uma divisão do fado em duas práticas completares. Uma está relacionada com um ritmo mais marcado e com a possibilidade de fazer um acompanhamento físico mais nítido – o chamado “bater o fado” – e uma outra que é assumidamente cantada.

Sexto. O fado nasceu como canto e só mais tarde veio a ser dançado, graças à natural tendência do povo para tudo bailar, para aplicar á dança qualquer melodia que lhe caia no agrado.


Sétimo. O fado é uma canção folclórica, sendo que, o Folk Lore é a ciência narrativa dos costumes e saberes do Povo, e se admitirmos que não existe só povo da Capital, hoje ele (fado) é para todos os efeitos a nossa “espontânea forma de expressão musical” reconhecida Internacionalmente como Portuguesa.

Oitavo. Pelo que referimos, hoje conhece-se o fado batido e/ou bailhado porque, ainda existe ainda a transmissão oral do mesmo por parte dos nossos avoengos, porque tratados e estudados pelos ranchos folclóricos, e porque existem os estudos e recolhas dos etnógrafos, etnomusicólogos e folcloristas em geral desde 1850 até hoje,

Nono. O Fado e o Fado Batido ter-se-ia implantado e popularizado mais a Norte do Ribatejo, através das gentes Beirãs (onde permaneceu dada a singularidade do meio). Como ficará registado hoje, é da maior importância aquilo que os ranchos folclóricos de Asseiceira, Alviobeira, Carregueiros, Peralva, Minjoelho e Linhaceira, no concelho de Tomar, irão apresentar, porque em última análise é através da recolhas que efectuaram e da divulgação que delas fazem que ,hoje podemos assistir não só ás várias formas do fado, assim como ao modo como foi apreendido pelos seus jovens executantes que são o garante da perenidade desta muito própria forma de sentir o fado.

Décimo. E último. Tudo faz falta na vida se calhar até aquilo que não faz falta. Virá o dia em que os nossos filhos se sentirão tão sozinhos frente a um computador ou a uma Play-Station (que foi comprada tão cara para não nos aborrecer e deixar de ser o nosso filho) que serão eles próprios a reparar no valor destas brincadeiras ingénuas como o bater do fado ou uma moda de roda, porque sendo formas tão simples , são também aquelas em que verdadeiramente nos conhecemos, que exteriorizamos o que temos de melhor e que usamos um tipo de comunicação entre os povos que já quase não existe, isto é, a verdadeira!
É esse o nosso papel enquanto ouvintes dos mais velhos e divulgadores do que nos disseram.
È esse o papel do folclore nos dias que correm.

Curiosidade:

Ano de 1914.
Tropas do Corpo Expedicionário Português, embarcados para a Flandres (I Grande Guerra) dançando ao som do harmónio.

“Será que não estão a Bater o Fado” ?
[1] Francisco Torrinha, “Moderno Dicionário da Língua Portuguesa para os Estudantes e para o Povo”, 5ª Ed. Liv. Simões Lopes, 1935
[2] Nova Enciclopédia Larousse, CL, pag 2896
[3] Pedro Homem de Mello, “Folclore”, 1970, ed. Ática, pag.222 a 226.
[4] Claro, evidente, verdadeiro (sin.)
[5] Rui Vieira Nery, “Para Uma História do Fado”, ed. Público C.S., SA e Corda Seca, ed. De Arte, SA, 2004, pag. 74 a 77.
[6] Negros a dançar, “Sketches of Portuguese Life”, 1826
[7] Bailarico em Cacilhas, detalhe de pintura a óleo, 181?
[8] O que Graças, a Deus e neste caso particular, ao trabalho dos folcloristas da região de Tomar, não corresponde á verdade, (n. autor).
[9] Rui Vieira Nery. Prestigiado musicólogo, ex - Secretário de Estado da Cultura, actualmente é lecciona na Univ. Évora.
[10] (sin.) Religioso, sagrado.
[11]José Alberto Sardinha, “Tradições Musicais da Estremadura”, pag. 365 e 366 (etnomusicólogo)
[12] “Ida para o baile”, Congresso de Folclore do Ribatejo, 1996
[13]Bertino Coelho Martins, “Músicas e danças Tradicionais no Ribatejo”, Assembleia Distrital de Santarém, 1997, pag.103 e 104. (etnomusicólogo)
[14] Harmónio, instrumento de onde se escutam uma das mais expressivas sonoridades do “bater do fado”.
[15] Nota do autor.
[16] Joaquim Santana, “O fado cantado e dançado”, Encontro Etnográfico para Jovens, Tomar, 21 Novembro de 1998

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